1. Não é fácil ser amigo. Mas é ainda mais difícil ter amigos.
Basicamente porque a amizade supõe lealdade, implica confiança e exige perseverança. Quem está disposto a isso hoje em dia?
Haverá quem esteja, mas não em grande número. Por isso é que, como já advertia a Bíblia, «ter um amigo é um tesouro» (Sir 6, 14).
O amigo é uma preciosidade cada vez mais rara. Quem o encontra deve conservá-lo com todo o empenho. O amigo tem muito de singular.
Existem os amigos com quem gostamos de estar, mas há o amigo junto de quem necessitamos de nos encontrar. Os primeiros estão ao nosso lado, partilham as nossas coisas. O segundo mora dentro de nós, reparte a nossa vida.
É, no fundo, a diferença que Gustave Thibon notava entre a união (estar com) e a unidade (estar em): os amigos estão connosco; o amigo está em nós!
Daí que a amizade seja mais que o mero companheirismo, a simples afinidade de gostos ou sensibilidades. A amizade é o humano elevado à mais alta cotação.
2. Sto. Agostinho, citando Cícero, definia a amizade como «o acordo nas coisas humanas e divinas acompanhado de uma certa benevolência e afecto». Para ele, a amizade mantém-se quando a força que une os amigos é Deus.
Não considero, pois, que a amizade esteja num patamar inferior ao amor. Jesus, que veio ao mundo para nos envolver com o Seu amor, plasmou esse sentimento tratando-nos como amigos. Na véspera de dar a Sua vida por nós tornou isso bem claro: «Já não vos chamo servos, mas amigos» (Jo 15, 15).
Quem lê, por exemplo, a encíclica de Sua Santidade o Papa, facilmente chega à conclusão de que a amizade é uma forma de amor. Foi, talvez, por esse motivo que o escritor angolano Luandino Vieira fundiu os dois vocábulos na nova palavra que inventou: amorizade (que é a resultante do amor mais amizade).
Os grandes preceitos da amizade, ainda segundo Sto. Agostinho, são a confiança e a franqueza. Àquele que preenche estes requisitos são devidas, por conseguinte, as palavras de Xavier Zubiri. «Chamar-te amigo não é simplesmente uma fórmula de rotina, mas atribuir-te um dos epítetos mais dignos que o Homem possui em toda a sua realidade humana». Amigo «é o erro corrigido, não o erro perseguido ou explorado. É a verdade partilhada, praticada».
Na vida, «amigo é a solidão derrotada!» No nosso íntimo, «amigo é uma grande tarefa, um trabalho sem fim, um espaço útil, um tempo fértil. Enfim, amigo vai ser, é já uma grande festa!».